sexta-feira, 22 de maio de 2009

FOTO DA VIDA




Sábado. 8 horas da manhã.
--"Filhota, acorda... vem tomar café com a mamãe. Você dorme demais, estou cansada de te esperar..."
Eu ria. e acordava sonolenta e ia para a mesa, já arrumadinha, com leite fervido e tudo. Lá, sentávamos nós duas, e conversávamos durante umas 4 horas... esperanças, amores... lá saía ela com o chinelinho gritando o Junior (irmão).
-- "Juniooor", vamos no shopping, filho ?
Eu quase não ia. Até hoje não sou fã do vuco vuco. Mas ela adorava... colocava suas luvinhas, seu lenço na testa, pegava o carro e bii bii - fui ! (ligava de lá e perguntava: --Filha, quer alguma coisa ? rss).
Brincávamos muito. Ela colocava música alta e dançava com a vassoura. Eu quando menor, queria fazer igual. Depois de crescida, como ela mesmo dizia, fiquei velha, rs. Só a olhava e admirava cada pedacinho seu. Era linda. Olhos grandes, sempre maquiados (sim, tal como agora na moda, inspirado nas indianas... ) não saia de seu quarto sem o delineador impecável e o rímel... - todos os dias. Foi assim que cresci. Com uma mãe jovem, linda, bondosa, carinhosa e entregue aos filhos. Vivia por nós. Viúva aos 29 anos (eu com 8 anos e o jr com 6 meses!), foi guerreira e venceu o preconceito da sociedade, mostrando que uma mulher sozinha é capaz de criar filhos absolutamente 'normais'. Teve seu segundo marido, não no papel, mas o grande amor de sua infância que a vida fez reencontrar. Eu fazia faculdade - aliás, quando passei no vestibular, ela chovara mais que eu... com a cara pintada de verde (esta foto é real) bom, ela me buscava no meu serviço e me levava na faculdade. Muitas vezes... ficava junto com meu irmão 'acampada' me esperando, até o horario de saída. Comprava batata frita.
-- Filha, vamos almoçar em Piracicaba, naquele restaurante no Rio ? ... pronto. Lá íamos os três a pegar a estrada, almoçar no interior num domingo gostoso.
1995/96 ela fez um exame, que detectou um nódulo na mama esquerda. Muito inícial, mas maligno. Fez exames, quadrantectomia e radioterapia. Sofreu um bocado, mas era forte e nem reclamava. Ia ao hospital Santa Rita com meu irmão, com 13/14 anos. Fez tudo direitinho. Ficou boa. Alguns meses depois, lá estava ela indo para o shopping novamente, com luvas novas (ela colocava luvas para o volante não dar calos nas mãos...rs. – bem se vê como dirigia pouco, rs. ) não parava. Sempre estava animadinha, indo pra algum canto, vestida na sua calça jeans com lycra, sempre apertadinha... quando frio... usava jaqueta de couro e muitas pulseiras. Ela era a moderninha em casa, e eu, a véia – sempre usei mais roupas sociais. Eu tinha 1 tênis. Ela, uns 4.
-- Junior, tenho que chamar a ambulância. Não dá mais pra ficar com a mamãe aqui.
1999. dia 02 de fevereiro, 1h da manhã.
Após 8 meses tendo tido uma recaída com o C.A., que havia generalizado, eu tomo a decisão de não mantê-la mais em casa. Fiquei até quando pude. Naquele dia, não dava mais.
Dia 04. Vejo enfermeiros a cercando – chamados pela minha tia, sua irmã, que estava comigo no hospital – mexendo, medindo pressão, gritando um alerta...enfim, pedi: deixem-na em paz. Queriam fazer mais furos em seu bracinho já tão judiado para outro soro, injeção, transfusão. Eu, pedi que se afastassem, e o médico consentiu. Fiquei em oração – totalmente desgovernada, pois me lembro que pensava: pai nosso que estais no céu... seja feita sua vontade... venha nós o vosso reino... e começava tudo denovo – pois olhava pela última vez, aquela respiração cada vez mais espassada. Segurei em sua mão, olhei para a irmã (minha tia) totalmente transtornada, mas silente também, do outro lado da cama. E assim nós assistimos a sua passagem, às 2 horas da manhã mais triste que eu já amanheci.

Ligações. Providências. Tudo tão irreal para mim. Minha mãe era maravilhosa, a quem sei que vou reencontrar. Sinto as vezes sua presença em amor. Fui mimada e muito amada por ela, igualzinho a meu irmão. Mulher batalhadora, sofreu as intempéries da vida sempre com brilho nos olhos. Amou muito. Chorou. Mas brincou infinitamente, e até seus 45 anos, aproveitou a vida... como sempre dizia, toda manhã que me acordava...
--Filha, acorda. Já são quase 8 horas da manhã... o dia ta tão lindo... vamos aproveitar a vida!
Esta era minha relação com minha mãe. Faço aniversário no mesmo dia que o dela. Fica a Saudade. Dia 9 agora, foi outra de minhas ‘crises’ de choro. Ouvi uma música ‘dela’. Sabem ASTRONAUTA DE MÁRMORE (a lua inteira agora é um manto negroo... sempre estar lá, e ver ele voltar...não era mais o mesmo mas estava em seu lugar... ) pois é. Ela amava esta música. E quando tocou no rádio a noite, eu desabei. Chorei. Chorei. E chorei. Suspiro, lembro de seu sorriso, sua voz – que esta cada vez mais distante de mim. Mas lavo minha alma com a certeza de que a amei todos os minutos e fiz tudo que estava a meu alcance. Dormia a seu lado, num lençol estendido no chão, para não ter sono profundo e checar sua respiração e temperatura. Abracei muito. Peguei no colo, as vezes que caiu. Meu grande amor.